Em uma coluna enviada à Rede Argentina, o embaixador em Brasília, Daniel Scioli, defendeu nessa segunda-feira (4) a integração produtiva com o Brasil, especialmente no momento em que a geopolítica mundial está sendo reconfigurada, e promoveu o aumento das exportações argentinas sem impor barreiras às importações brasileiras para reduzir o déficit comercial bilateral.

Ex-vice-presidente e ex-governador da província de Buenos Aires, Scioli destacou o perfil produtivo do comércio exterior da Argentina com o Brasil, com base no perfil traçado desde sua chegada à embaixada na capital brasileira.

«Sempre se diz que a Argentina deve vender valor agregado para o mundo. Em 2022, vendemos principalmente valor agregado ao Brasil. Dos 13,1 bilhões de dólares exportados em 2022, 62% são produtos manufaturados de origem industrial (MOI) e os produtos manufaturados de origem agrícola (MOA) representam 14%, o que significa que 76% de nossas exportações são produtos de valor agregado», detalhou o embaixador na coluna enviada à Rede Argentina.

MAIS ARGENTINA NO BRASIL (Por Daniel Scioli *)

As coisas são claras. Você está mais ou menos integrado ao mundo de acordo com o que comercializa. Diga-me o quanto você comercializa e eu lhe direi o quanto você está integrado. O fluxo comercial total (exportações mais importações) da relação bilateral entre a Argentina e o Brasil atingiu seu volume mais alto em 2011, quando o valor total negociado estava próximo de 40 bilhões de dólares. Em 2019, esse fluxo comercial havia caído para pouco mais de US$ 20 bilhões, e a integração comercial com o Brasil despencou para a metade do que havia sido em seu auge. Esse foi o ponto de partida de minha gestão na Embaixada da Argentina no Brasil.

Em 2022, o fluxo de comércio bilateral chegou a quase 30 bilhões de dólares, o que significa que recuperamos, em três anos, metade do que foi perdido durante o governo anterior. No entanto, do ponto de vista comercial, a principal função da Embaixada está focada na promoção das exportações. Vamos nos concentrar, então, no que aconteceu nessa variável para medir o impacto da tarefa realizada e identificar o caminho que ainda precisa ser percorrido para consolidar o mercado brasileiro como o principal destino de nossas exportações de valor agregado.

Nesses três anos, as exportações para o Brasil cresceram 25%, passando de 10,5 bilhões de dólares exportados em 2019 para 13,1 bilhões de dólares em 2022. Com esse desempenho, as exportações para o Brasil em 2022 são as mais altas desde 2014. Mas, além do valor absoluto, o que se torna mais importante é a análise de sua composição. Sempre se diz que a Argentina deve vender valor agregado para o mundo. Em 2022, vendemos principalmente valor agregado ao Brasil. Dos 13,1 bilhões de dólares exportados em 2022, 62% são manufaturas de origem industrial (MOI) e as manufaturas de origem agrícola (MOA) representam 14%, ou seja, 76% de nossas exportações são produtos com valor agregado.

Nesse ponto, é ainda mais interessante observar o comportamento de nossas exportações de maior valor agregado, como a MOI. Esse item em nível nacional representou 37,4% do total das exportações em 2022, mas representou 62% das exportações para o Brasil, conforme já mencionado. As exportações de MOI para o Brasil também tiveram um comportamento dinâmico, aumentando 15,3% em relação a 2019, passando de USD 6,7 bilhões em 2019 para USD 7,8 bilhões em 2022.

Esse processo de recuperação e crescimento de nossas exportações é apoiado por um intenso trabalho de remoção de obstáculos que o Brasil tinha sobre um número significativo de nossos produtos para entrar nos diversos mercados setoriais e uma intensa promoção comercial realizada por nossa embaixada, que se traduz em ações concretas e mensuráveis.

Em termos de remoção de barreiras comerciais, mais de 40 situações de restrições de acesso a mercados foram revertidas, incluindo alguns casos que estavam nas mais altas cortes do judiciário brasileiro. Dessa forma, foi ampliado o acesso a canais de comércio em setores relevantes, como pesca, frutas e legumes, laticínios, vinhos, agricultura e pecuária, entre outros. O impacto desse trabalho se traduz na incorporação de aproximadamente 300 milhões de dólares incrementais no vetor de nossas exportações para o Brasil.

No campo da promoção comercial, realizamos mais de 100 missões comerciais e rodadas de negócios, o que equivale a cerca de 250 dias investidos na venda da produção argentina e no trabalho nos diferentes canais comerciais com alcance em todos os estados brasileiros. Além disso, ajudamos nossas PMEs exportadoras em mais de 130 feiras comerciais. Também fortalecemos a qualidade institucional das relações comerciais com a criação e consolidação de 14 Câmaras de Comércio Argentino-Estaduais e melhoramos a competitividade de nossas exportações por meio de acordos de redução de custos com os principais operadores portuários e conglomerados logísticos que operam no Brasil.

Evidentemente, esse dinamismo no comportamento das exportações argentinas para o Brasil tem um impacto positivo no desenvolvimento de nossas economias regionais e de nossas províncias. De fato, nesses anos de administração, a maioria de nossas províncias conseguiu aumentar significativamente sua inserção produtiva no mercado brasileiro. Destacam-se os casos de Neuquén, com um aumento de quase 800% nas exportações para o Brasil, Santa Cruz (182%), Chubut (55%), Santa Fé (39%), Tierra del Fuego (34%), Córdoba (34%), San Luis (31%), Entre Ríos (30%), La Pampa (25%) e a Província de Buenos Aires (16%), entre outros.

A relação bilateral com o Brasil tem sido caracterizada há décadas por um déficit comercial contrário aos interesses da Argentina. Basta lembrar que, de 2004 a 2022, acumulamos um déficit no fluxo de comércio que ultrapassa 52 bilhões de dólares. Desde meu primeiro dia no cargo de embaixador, enfrentei o desafio de equilibrar o comércio com a dinâmica de vender mais ao Brasil, em oposição ao atalho de poder comprar menos do Brasil. Durante os dois primeiros anos no cargo, conseguimos conter essa variável e até mesmo revertê-la em 2021, alcançando um superávit de cerca de 70 milhões de dólares. A partir de 2022, a relação comercial teve de suportar a compra, pela Argentina, da eletricidade demandada pelo crescimento econômico pós-pandemia e dos insumos siderúrgicos necessários para a construção do gasoduto NK, ambas variáveis responsáveis por metade do déficit registrado em 2022. Em 2023, os efeitos adversos da seca sobre a balança comercial em termos de queda nas exportações de trigo e a necessidade de importar soja para sustentar a atividade do complexo nacional de sementes oleaginosas se somam aos dois fatores anteriores.

Em suma, acredito que, uma vez superados esses eventos extraordinários, a Argentina está posicionada para reverter o déficit estrutural nos próximos anos com base em uma integração energética que colocará nosso país em uma posição superavitária. No entanto, devemos continuar a aprofundar uma política industrial na cadeia de valor automotivo que nos permita continuar a atrair novos modelos focados em uma alta integração de autopeças domésticas e com uma forte inserção como bases de exportação, a fim de fechar o déficit histórico de autopeças e gerar mais exportações de unidades acabadas para o Brasil.

Por fim, e para além da esfera meramente comercial, a relação bilateral atingiu um marco histórico com a assinatura, por ambos os presidentes, do Acordo de Aliança Estratégica, que abrange 82 pontos de integração que se desdobram em todas as áreas de gestão e onde se destacam os compromissos nas áreas de ciência e tecnologia, educação, defesa e indústria de defesa, cultura, cultura e meio ambiente, defesa e indústria de defesa, cultura, desenvolvimento nuclear, cooperação aeroespacial e integração produtiva e energética, o que o torna um verdadeiro plano de governo bilateral com nosso principal aliado político e comercial no mundo e com o qual, em junho deste ano, comemoramos 200 anos de relações diplomáticas. Uma relação que deve continuar sendo fortalecida como um conceito de ligação entre Estados – independentemente da proximidade ou distância dos governos em exercício – diante da reconfiguração paradigmática do comércio internacional em uma fase de “desglobalização” e que exige um aumento da autonomia regional por meio do fortalecimento da densidade de nossas capacidades produtivas.

(*) Embaixador da Argentina no Brasil

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