REDE ARGENTINA, 4 set — O embaixador do Brasil na Argentina, Julio Glinternick Bitelli, afirmou que as diferenças políticas e pessoais entre os presidentes Javier Milei e Luiz Inácio Lula da Silva “são muito menos decisivas do que parecem” para as relações bilaterais, embora tenha expressado sua preocupação com a “queda acentuada no comércio bilateral”.
Em uma entrevista ao jornal digital Infobae, de Buenos Aires, o diplomata afirmou que “o que importa é a relação entre os Estados, que é permanente e deve continuar a se aprofundar”.
Bitelli é uma referência nas relações argentino-brasileiras. Entre 2003 e 2006, atuou como primeiro-secretário e depois como conselheiro na Embaixada do Brasil em Buenos Aires, onde retornou em 2010 para atuar como ministro-conselheiro até 2013. E assim que Lula assumiu seu terceiro mandato como presidente, confiou nele para chefiar a representação diplomática em Argentina; ele assumiu a embaixada em 2 de julho de 2023.
Um episódio recente mostrou a disposição do Brasil em assumir os interesses da Argentina na Venezuela após a expulsão dos diplomatas de nosso país pelo governo de Nicolás Maduro. “Já havia um precedente, quando o Brasil representou os interesses da Argentina em Londres na época da Guerra das Malvinas”, lembrou o embaixador. “Para nós, esse é um sinal muito claro de que as relações com a Argentina continuam sendo tão centrais para o Brasil como sempre foram”, reafirmou.
No que diz respeito às relações entre os governos dos dois países, em julho Bitelli foi convocado para consultas em Brasília pelo próprio Lula da Silva, mas ele mesmo se encarregou de minimizar o teor da convocação, assegurando que não se tratava de um conflito diplomático ou da retirada do embaixador, mas de uma convocação do presidente brasileiro para “conversar” sobre a relação entre os dois países.
“É preciso explicar as diferenças entre o que aconteceu comigo e a tradicional ‘convocação para consultas’, que é uma figura diplomática que tem um significado muito carregado. A primeira diferença é que o pedido de consultas é feito imediatamente após um ato que um governo considera ofensivo por parte de outro. Nesse caso, a associação óbvia buscada foi a participação do presidente Milei em Camboriú na reunião do setor político ao qual ele pertence – a Conservative Political Action Conference (CPAC). Entretanto, minha ligação foi feita dez dias depois. A outra diferença é que uma convocação tradicional para consultas é feita sem data de retorno. No meu caso, eu tinha uma passagem de volta, e a data foi cumprida», disse Bitelli.
O comércio bilateral em declínio e o gás como uma oportunidade de equilibrar a balança comercial
«A grande preocupação que temos -disse- é que os números do comércio bilateral caíram muito nos últimos 15 anos. Em 2011, eles chegaram a quase 40 bilhões de dólares. E em 2023, o comércio bilateral foi de 28 bilhões de dólares. No primeiro semestre deste ano (2024), houve uma queda de 37,7% nas importações brasileiras. Entendemos que essa é uma situação cíclica, que não afeta apenas o Brasil, mas todos os parceiros comerciais da Argentina.”
-Entre 2004 e 2022, a Argentina acumulou um déficit de 50 bilhões de dólares em sua balança comercial com o Brasil, mas o diplomata disse estar confiante em superar os obstáculos e incentivar o crescimento das exportações argentinas de gás, após a descoberta dos campos de gás de Vaca Muerta, na Patagônia argentina.
“O comércio exterior não pode ser visto como uma questão de aritmética. Por exemplo, se chegarmos a um acordo sobre o gás, a questão do déficit desaparecerá da agenda. O Brasil não se preocuparia em ter um déficit com a Argentina se ela garantir que o gás chegará de acordo com as necessidades do Brasil. Há um grande interesse dos atores privados brasileiros no gás argentino. O gás de Vaca Muerta pode ser uma solução para os dois países”, garantiu.