REDE ARGENTINA, 3 dec.- O governo do presidente Javier Milei reduziu drasticamente os fundos destinados aos planos de prevenção e interrupção voluntária da gravidez e à Educação Sexual Integral (ESI), com ajustes que chegam a 100% das alocações orçamentárias no terceiro trimestre de 2024, de acordo com dados divulgados pelo Ministério da Economia da Argentina.
Além disso, o governo libertário eliminou do projeto de lei orçamentária de 2025 os fundos destinados à implementação da Lei de Educação Sexual Integral (ESI). Essa medida, além de interromper a continuidade de um programa aprovado em 2006, faz parte de um ajuste que afeta gravemente outros programas de assistência e proteção à mulher e à diversidade.
Um dos cortes mais fortes é o da Assistência Jurídica para Vítimas de Abuso Sexual, que perdeu 100% de sua alocação em 2024 e não tem fundos planejados para 2025.
Os dados analisados, extraídos da execução das metas físicas do Orçamento Aberto publicado pelo Ministério da Economia, mostram reduções significativas, como a observada na entrega de preservativos – o único método que previne tanto a gravidez indesejada quanto as infecções sexualmente transmissíveis – que caiu de 4,4 milhões de unidades em 2023 para 2,4 milhões em 2024, uma redução de 45,5%.
O quadro é ainda pior para os contraceptivos de ação prolongada, que são essenciais para evitar a gravidez e a mortalidade no parto entre adolescentes em situações vulneráveis. Embora o plano tenha projetado a distribuição de 65.740 implantes subdérmicos este ano, apenas 21.770 foram entregues, o que representa apenas 33% da meta estabelecida.
Enquanto isso, os medicamentos para garantir o acesso à interrupção voluntária da gravidez (PTV), como o misoprostol e a mifepristona, simplesmente desapareceram das estatísticas: nenhum dos 100.400 tratamentos programados para os primeiros nove meses de 2024 foi distribuído.
Paralelamente, a Educação Sexual Integral (ESI), que já havia sofrido um corte de 68,2% em 2024, enfrenta um destino sombrio no próximo ano, pois a proposta de orçamento para 2025 apresentada pelo governo elimina completamente seu financiamento.
Esse ajuste é consistente com a retórica libertária de Milei, que critica abertamente as políticas de gênero e os direitos conquistados nas últimas duas décadas. Além da Assistência Jurídica para Vítimas de Abuso Sexual, o Programa Acompañar e a Linha 144, que prestavam apoio a mulheres em situação de violência, também não têm alocação planejada para 2025.
A posição do governo argentino
O Ministério da Saúde, liderado pelo médico Mario Lugones, justificou os cortes argumentando que as províncias devem assumir a responsabilidade pelo fornecimento desses suprimentos.
De acordo com um porta-voz oficial, “constitucionalmente, a saúde não é uma competência delegada pelas províncias ao Estado Nacional. As jurisdições devem ter os mecanismos necessários para cobrir suas demandas de saúde”, informou o site de notícias Data Clave.
O Ministério garantiu que os processos de aquisição estão em andamento para comprar contraceptivos injetáveis e orais, implantes subdérmicos e outros métodos hormonais. Mas, até o momento, as medidas administrativas não conseguiram evitar interrupções na cadeia de suprimentos.
A decisão do governo de reduzir ou eliminar programas históricos, como a Lei 25.673 sobre Saúde Sexual e Procriação Responsável e a Lei 27.610 sobre Interrupção Voluntária da Gravidez, não apenas deixa um vácuo na prevenção de gravidez indesejada e doenças sexualmente transmissíveis como o HIV, mas também marca um retrocesso em termos do escopo desses direitos adquiridos.
Enquanto o Executivo avança com cortes, as estatísticas do terceiro trimestre de 2024 refletem um cumprimento de menos de 10% das metas programadas para preservativos e contraceptivos, deixando milhares de pessoas sem acesso a serviços essenciais de saúde reprodutiva.
Ao mesmo tempo, houve um avanço conservador que põe em risco direitos adquiridos, como o aborto e até mesmo a educação sexual integral (ESI), que é ensinada nas escolas e tem sido fundamental para identificar o abuso sexual intrafamiliar: oito em cada dez denúncias de crianças ocorreram depois de terem abordado essa questão em sala de aula, de acordo com o Centro de Informações Judiciais (CIJ).
A ofensiva conta com o apoio do presidente argentino, que equipara o aborto ao assassinato, apesar de ser legal na Argentina desde 2020.