O Governador Kicillof e o presidente Javier Milei

REDE ARGENTINA, 23 set — A administração do governador da província de Buenos Aires, Axel Kicillof (Partido Justicialista, Peronista), adverte sobre a direção da política externa do governo de Javier Milei, especialmente a tentativa de desmantelar os laços produtivos do Mercosul. Buenos Aires é a província mais populosa e mais rica da Argentina.

 

Desintegração do Mercosul é um projeto retrógrado

Por Carlos Bianco, Ministro do Governo da Província de Buenos Aires, e Juan Manuel Padín, subsecretário de Relações Internacionais da Província de Buenos Aires

Passados vários meses da presidência de Javier Milei, é evidente que a desintegração social, a dissolução nacional e a desintegração regional são diferentes facetas de um mesmo projeto: transformar nosso país em um território à medida dos interesses dos grandes capitais, reduzindo ao mínimo qualquer tipo de ação estatal que possa estabelecer um limite para proteger o interesse geral e melhorar as condições materiais de vida da população como um todo.

Como definiu recentemente o governador da Província de Buenos Aires, Axel Kicillof, o tratamento sistemático que o governo nacional oferece aos estados e municípios em geral, junto com a asfixia econômica e financeira com que busca submeter a província de Buenos Aires em particular, configuram um verdadeiro programa de dissolução nacional.

A chanceler Diana Mondino ensaia um giro de igual natureza no plano internacional, que contempla como ponto central a desintegração do Mercosul. A ausência de Javier Milei na última Cúpula de Chefes de Estado do bloco constituiu um primeiro indício dessa orientação, que foi complementado há alguns dias com a apresentação de uma proposta peculiar no Grupo de Relacionamento Externo: romper com a política comercial externa comum, propondo que os Estados Parte do Mercosul possam negociar individualmente (e não como grupo) acordos com outros países.

A simples vista, o fenômeno poderia ser interpretado como um caso adicional na extensa lista de desregulamentações implementadas pelo oficialismo, só que em escala regional.

No entanto, por razões históricas e especialmente em uma conjuntura internacional como a atual, essa medida acarretaria nada menos que uma renúncia a toda estratégia nacional e regional de desenvolvimento, relegando a Argentina a um elo débil, periférico e volátil do mercado mundial.

Mercosul libertário

Em seguida, apresentamos um conjunto de observações sobre o alcance da iniciativa mencionada, para luego enumerar diversas razões pelas quais uma política de integração regional revitalizada (e não sua quebra) constitui o caminho que nosso país deveria percorrer para impulsionar o desenvolvimento, preservar a soberania e construir um futuro de prosperidade.

Sobre a proposta libertária, cabem aqui três observações. Em primeiro lugar, no plano político-jurídico, o caminho sugerido implica uma aberta violação ao Tratado de Assunção, pilar fundamental do Mercosul.

Esse acordo foi firmado em 1991 com o objetivo de edificar um mercado comum e determina três condições elementares: i) o estabelecimento de um arancel externo comum; ii) a adoção de uma política comercial comum com relação a terceiros Estados ou agrupações de Estados; e iii) a coordenação de posições em fóruns econômicos comerciais regionais e internacionais.

Naturalmente, a negociação individual perforaria de modo permanente o arancel externo comum, supondo o fim da adoção de uma política comercial comum com relação a terceiros Estados, ao mesmo tempo que esvaziaria de sentido a ideia de coordenar posições em fóruns internacionais.

Em segundo lugar, e em perspectiva histórica, a posição adotada pelo governo nacional supõe descartar a concepção política e econômica do processo de integração regional, um compromisso que leva mais de três décadas em pé.

A integração do Mercosul na economia global deve ocorrer sempre em favor de nossos setores produtivos e não contra eles. Em resumo, desfazer o projeto de integração regional não é uma mera questão anedótica, mas tem implicações muito concretas.

Por exemplo, devemos lembrar que as exportações argentinas destinadas ao bloco são compostas, majoritariamente, por bens com maior valor agregado e conteúdo tecnológico em comparação com aquelas destinadas a países extra-zona.

A contrapartida da política libertária não apenas resultaria na perda de mercados, mas também na reprimarização da estrutura produtiva. Uma economia com menor complexidade e à disposição de alguns privilegiados.

Na contramão

A proposta libertária vai na contramão do caminho trilhado por outros países para alcançar o desenvolvimento. É o caso das treze colônias da América do Norte a partir de 1776, que após se independizar da metrópole britânica avançaram na conformação de um mercado comum e uma nova Nação, fomentando seu desenvolvimento por meio de medidas protecionistas e industrialistas.

Ou as regiões do norte da Europa no meio do século XIX que, após conformar a Zollverein (União Aduaneira) por meio de políticas comerciais comuns e expansão do mercado interno, permitiram o nascimento da Alemanha como Estado-nação moderno.

Ou a região asiática que, com seu modelo particular de desenvolvimento de «voo de ganso», permitiu, a partir da primeira pós-guerra e de forma sucessiva, a industrialização e integração produtiva dos diferentes países da região, começando com o Japão, seguido pela Coreia do Sul e os tigres e dragões asiáticos, e mais recentemente pela República Popular da China e os novos países em processo de industrialização.

Ou a própria União Europeia desde meados do século XX, avançando desde a Comunidade Europeia do Aço e do Carvão até a atual União Europeia.

O contexto internacional, adicionalmente, registra uma tendência inegável hacia a regionalização econômica. Por certo, nenhum país escolhe voluntariamente prejudicar suas empresas em virtude de um conjunto de princípios teóricos que não são ensinados em nenhuma universidade do mundo.

Os líderes tomam decisões baseadas na realidade que enfrentam. Nos nossos dias, sobressai uma conjuntura marcada pelo baixo crescimento, aumento da competição e protecionismo, e multiplicação de conflitos geopolíticos que provocam disrupções nas cadeias de valor e suprimento.

Além disso, embora haja quem pretenda ignorá-lo, a agenda centrada na liberalização há muito tempo não marca o ritmo dos acontecimentos, começando pelas principais potências que o presidente admira.

Não será fácil encontrar companheiros para essa aventura. Antes, os países buscam o fortalecimento dos blocos regionais como mecanismo de proteção ante as fricções do cenário global e como meio para resguardar suas estruturas socio-produtivas.

Em resumo, a proposta de Milei é um completo caminho na contramão.

Enquanto hoje no mundo as potências capitalistas cuidam de seu trabalho local por meio de medidas de caráter protecionista, fomentam a produção manufatureira por meio de políticas industriais e fortalecem e blindam seus esquemas de integração regional, Milei pretende tolongamente liberalizar nosso comércio, desproteger nossas indústrias e desfazer o caminho de integração regional levado a cabo no âmbito do Mercosul.

Construir uma alternativa política que retome o caminho da união nacional e da integração regional é uma tarefa inescusável para assegurar o desenvolvimento da Argentina e salvaguardar nossos interesses como Nação.

Os desafios nessa tarefa são múltiplos. Entre eles, e no que diz respeito à política regional, é indispensável abordar as assimetrias entre os países do Mercosul para avançar em direção a uma integração mais profunda, assim como atender prioritariamente à dimensão produtiva, enfatizando os desafios científico-tecnológicos e o investimento em infraestrutura e logística, a fim de construir cadeias de valor regionais que, por sua vez, nos permitam fortalecer nossa posição econômica e comercial em um mundo desafiador.

Dessa forma, também será possível recuperar a influência na arena multilateral para defender o espaço político dos países da região e advogar por uma ordem mundial democrática, pacífica e justa que favoreça a implantação de um projeto de desenvolvimento inclusivo e sustentável.

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